Pela primeira vez uma pessoa foi condenada no Brasil pelo crime de estupro virtual, por um caso que aconteceu em 2015. O homem foi preso por abusar de uma criança de 10 anos através do site Omegle, plataforma norte-americana de conversas anônimas.
Usando o nome falso de Pedro Dalsch, o homem, que é do Rio Grande do Sul, entrou em contato com Rafael (nome fictício), que estava em São Paulo, e fazia solicitações sexuais a criança por vídeo. Segundo informações da BBC News, a Omegle se posicionou sobre o caso e afirmou que “leva a segurança dos usuários extremamente à sério” e que faz a moderação do conteúdo na plataforma.
“Embora os usuários sejam os únicos responsáveis por seu comportamento ao usar o site, nós implementamos voluntariamente serviços de moderação de conteúdo que usam ferramentas de IA e moderadores humanos contratados. O conteúdo sinalizado como ilegal, inapropriado ou em violação das políticas da Omegle pode levar a uma série de ações, incluindo denúncias às agências de aplicação da lei apropriadas”, escreveu a empresa, em nota.
Três anos se passaram entre a investigação do caso e a condenação de Pedro Dalsch. Neste processo, o advogado da vítima Júlio Almeida, que na época era promotor de justiça responsável pelo setor do Ministério Público do Rio Grande do Sul na área de investigação contra violência sexual cem crimes de internet, precisou analisar uma série de provas até que o suspeito fosse identificado e eventualmente preso.
Condenado a 12 anos e 9 meses de prisão, o caso é um importante precedente para que outros crimes como este não fiquem impunes. “Foi inédito e acabou gerando a possibilidade de outros casos acabarem com a mesma condenação, que consideramos justa, já que o crime sexual contra criança e adolescente, ainda que não tenha o contato físico que não deixe sequelas físicas, é um crime que deixa sequelas mentais muito importante na vida de uma criança”, refletiu o advogado Júlio Almeida, em entrevista à BBC News.
Busca pela condenação
O abuso contra Rafael foi descoberto pelo pai da vítima que acessou a página da criança através do computador que os dois compartilhavam. Diante da descoberta, o pai de Rafael realizou uma denuncia no Ministério Público.
Foi preciso uma investigação minuciosa, uma vez que o criminoso usava um nome e perfil falsos. Durante o processo, os investigadores da Instituto Geral de Perícia , em parceria com Júlio, conseguiram identificar que Pedro Dasch utilizava um computador de uma importante faculdade do Rio Grande do Sul, que contava com 2600 computadores.
O perfil de um dos estudantes de medicina da instituição chamou a atenção dos investigadores. Ele já havia realizados trabalhos voluntários na pediatria e possui produções científicas na área de sexologia. “Isoladamente, são coisas boas, mas quando se está procurando alguém que tem desejo sexual por criança, são sinais de alerta”, pontuou o advogado da vítima.
Uma permissão para quebra de sigilo e apreensão de equipamentos foi concedida e os investigadores foram até o endereço deste aluno. No computador dele, foram encontradas mais de seis mil imagens de pedofilia com características diferentes do normal.
“Apareceram mais de seis mil imagens de pedofilia, e com características diferentes do que normalmente se encontra, que são de crianças do leste europeu, loiras e de olhos claros, que vem pela deepweb. Nesse caso, havia muitos arquivos de crianças e adolescentes com nomes brasileiros e com características latino americanas. Foi um sinal de que não era apenas um consumidor de pornografia infantil, mas que estávamos diante de um predador sexual”, relatou Almeida.
As provas encontradas enquadravam o crime em pequenos delitos, com penas menores, o que não agradou Júlio e sua equipe. “Uma vez que confirmado que ele era quem trocava mensagens com a criança paulista de 10 anos de idade, sabíamos que precisávamos buscar uma condenação mais adequada”, contou ele.
Legislação brasileira
Para isso, um novo conceito na legislação de estupro precisou ser criada, uma vez que a lei brasileira define estupro de vulnerável como um ato de conjunção carnal ou libidinoso com menor de 14 anos. A lei considera que pessoas nessa idade não têm discernimento para consentir relações sexuais. Porém, essa definição não contemplava o caso em que Almeida estava trabalhando.
“Encontrei uma decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que tratava de uma situação na qual um adulto levou uma menina com menos de 13 anos de idade a um motel. Lá, este homem praticou masturbação vendo a criança se despir, mas sem tocá-la. O STJ considerou estupro, entendendo que o contato físico não era mandatório para sentença, bastava que ambos estivessem no mesmo ambiente e que a ação de um satisfaça o desejo sexual de outro. Ali encontrei o conceito que eu precisava atualizar”, conta ele.
Diante disso, o advogado passou a trabalhar em cima de uma tese no ambiente virtual e seguiu com uma denúncia nesse sentido. “A atualização era necessária, já que hoje, pela internet, nós conseguimos fazer comércio, trocar afeto, transmitir documentos, entre outras coisas – e tudo isso tem validade. A conclusão lógica é que também se pode praticar sexo por internet e, portanto, colocar um menor em situação de vulnerabilidade. Parece uma coisa óbvia, mas ainda não existia nenhuma condenação parecida”, explica.
Apesar de enfrentar resistência no Ministério Público, o advogado conseguiu provar sua tese. “Decidimos processar o homem pelo crime de estupro virtual, como se ele estivesse no mesmo ambiente daquela pessoa, porque realmente estava no mesmo ambiente daquela criança, só que no ambiente virtual. Foi uma denúncia longa, na qual foram expostos os atos e conversas absurdas entre ele e o menino”, relatou Júlio.
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