Funciona mais ou menos assim e acontece por todo o Brasil, nas mais variadas esferas da administração pública: governos e prefeituras contratam terceirizadas para prestação de serviço – na maioria das vezes, por valores muito acima do mercado – e usam essas empresas como cabides de emprego para abrigar cabos eleitorais e apadrinhados dos políticos que pertencem ao grupo da vez no poder. Dessa forma, podem escapar da fiscalização da imprensa e da vigilância dos órgãos de controle externo.
A prática, que existia de forma mais tímida, explodiu a partir de março de 2017, quando a Câmara dos Deputados aprovou e o então presidente Michel Temer (MDB) sancionou a Lei da Terceirização, fruto de um projeto que tramitava na Casa desde 1998. Em síntese, a nova legislação ampliou o espectro do trabalho terceirizado tanto na iniciativa privada quanto na gestão pública, incluindo serviços prestados nas chamadas atividades-fim, antes vetadas à execução por terceiros pelas regras vigentes à época. Para as empresas privadas, a lei eliminou quaisquer travas ao trabalho terceirizado.
Para a administração pública direta, autarquias e fundações, permaneceu a proibição para postos que envolvam tomada de decisões e áreas estratégicas, basicamente. Já nas estatais e subsidiárias, somente quando a função a ser exercida não se chocar com atribuições de categoria previstas no plano de cargos e salários. De resto, foi tudo liberado. O que abriu brechas para o uso eleitoreiro das terceirizações nos mais variados serviços – conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações, entre outros.
Embora seja difícil provar, já que as terceirizadas não são obrigadas a dar transparência sobre seus quadros de funcionários e nem prestar contas sobre quem contrata ou deixa de contratar, é de conhecimento geral que prefeitos, secretários, deputados e vereadores usam a influência que têm para acomodar cabos eleitorais, apoiadores e parentes em empresas prestadoras de serviço. Com a cancela escancarada e fora do radar de jornalistas, promotores de Justiça, tribunais de contas e adversários, ficou mais fácil ainda tocar o famigerado cabide de empregos. Algo que não seria possível através de nomeações para cargos de confiança, muito menos por meio de concurso público.
“Por isso, nós sempre exigimos a realização do concurso como forma de acesso ao serviço público. Essa condição garante bons serviços ao cidadão. Evita a precarização do vínculo trabalhista e a pressão política. É também o ideal para a oxigenação do regime próprio de previdência do servidor, visto que esse trabalhador terceirizado conta na máquina pública, mas contribui para o regime geral, o INSS” , disse Bruno Carianha, diretor do Sindicato dos Servidores da Prefeitura de Salvador (Sindseps).
Onda de denúncias
Desde que a lei entrou em vigor, pipocaram denúncias sobre o uso político e eleitoral das terceirizadas. Um dos casos mais rumorosos, revelado pelo Fantástico em junho de 2018, envolveu três prefeituras do Rio Grande do Sul – Canoas, Triunfo e Guaíba. Depoimentos de ex-servidores e de pessoas que atuaram em empresas de serviço mostraram que conseguir uma vaga só era possível através de indicação política dos prefeitos e vereadores da base aliada.
Em Mato Grosso do Sul, a ilegalidade foi cometida pelos próprios integrantes do Tribunal de Contas do Estado, os mesmos que deveriam zelar pelo bem público. Segundo denúncia feita à Justiça pelo Ministério Público Estadual em agosto de 2021, os conselheiros da corte utilizaram uma empresa de conservação e limpeza para acomodar apadrinhados e cabos eleitorais de políticos aliados em diversos departamentos, da área de transporte ao setor administrativo.
Conduta criminosa
“Isso pode configurar crime eleitoral de forma bastante nítida se for comprovado que houve dolo (ato intencional). O que não é tão difícil provar nesses casos. A partir do Artigo 300, a Lei Eleitoral tipifica como crime a utilização do Poder Público para coagir ou assediar o voto, amealhar simpatia eleitoral, em nome do poder que você tem de oferecer esses empregos ou retirá-los caso o intento não seja alcançado. Além disso, é clara a configuração do abuso de poder econômico e político quando se tem essas ferramentas para dispor, enquanto o adversário não possui. Isso quebra a chamada paridade de armas, essencial para o processo eleitoral justo”, explica o advogado eleitoralista Rodrigo Britto, do escritório Sampaio Britto Advocacia e Consultoria.
Na Bahia, o MP informou ao Jornal Metropole que não havia procedimento específico em curso sobre uso ilegal de empresas terceirizadas como cabides de emprego. Procurada, a seccional baiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) não se manifestou até o fechamento desta edição. A cautela se deve ao fato de que dirigentes da instituição advogam para prefeituras que enfrentam demandas judiciais justamente de candidatos aprovados em concursos públicos que se sentem prejudicados por suposta terceirização irregular.
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